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Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013)

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Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013) Empty Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013)

Message  Gil Def Jeu 18 Juil 2024 - 14:35

 Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013) 989837  Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013) 989837  Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013) 989837  


Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013) Portug13

António RAMOS ROSA
1924-2013

Viagem através de uma nebulosa - António Ramos Rosa (1924-2013) Antonio-ramos-rosa_large



Viagem através de uma nebulosa  - Voyage à travers une nébuleuse


Voz : ---




Noite
rã oblíqua
ó toda olhos à flor da névoa
o trilo move-se perde-se repete-se pisca a estrelinha
o hálito da lua
orienta-me numa nebulosa
de constelações tranquilas

Que aéreo e estático silêncio
Harmonia de pálpebras e pupilas
a redondez das estrelas foi feita para minhas mãos navegadoras
a poalha cintilante e fluída
dos céus
corre no meu sangue
ondas e barcas contradançam
substituem-se uma às outras

Os grandes animais silenciosos da Terra
sonham com um pássaro de barro
a memória reencontra o seu palácio de homem
a torre emerge do menino

Além mais para além que calma de navios
sobre um porto sem nome sobre um cais qualquer
transporto por contágio o sonho da rapariga
à janela do mundo
o adolescente que fui encontra a sua noiva
que sortilégio de mãos e tranquila voz amiga
de inexplorados sonhos
que confiança interplanetária
me leva para além dos contactos visíveis
chego ao limite onde a aurora ainda dorme

Os rios torcem-me todas as hesitações
as montanhas reacenderam toda a minha coragem
sobre ventres de grávidas fêmeas silenciosas
retomei o gosto de distribuir meus sonhos
nova moeda de futuros seres
Os lisos cavalos da bruma
lançam-me a rosa do seu bafo escuro
é bem o cheiro da madrugada

Sobre todos os mortos de que me nutro em segredo
desenha-se a rapariga da revolta do sol
a tradição de seus braços
é uma carícia de futuro
presente sangrando em cada poro
17 milhões de mortos comprovam a grávida linha ascencional

Todos os jovens mortos
correm no fogo cadente das suas veias consteladas
ó eterna rapariga
o rumor que faz a amizade
através dos países submersos
o sussurro claro germinado da descoberta incessante
eis o ritmo do teu coração

Dia a dia o teu grávido ventre se estende planície
dia a dia os homens te forjam na consciência renovando-se
dormes agora
a tua cabeleira de horizontes
ó fulvo ondear do teu corpo de bandeira
acena-nos um novo passo em cada espera forçada
as sombras do martírio as mil e uma moscas do carnaval pútrido
em vão tentam sugar o cadáver que resiste
não chegam a formar a sombra que oculte o esplendor
que ressalta em cada face humilde

O arsenal do estupro lento
as orquestras do caos
os benfeitores dos monstros
em vão tentam amortecer o dinamismo da paisagem
as máquinas delicadas dos turistas
acenam bom senso
em vão

*

A redondez das estrelas
é um apelo às minhas mãos
as minhas mãos navegadoras correm em arrepios teu corpo em formação
deito-me no horizonte
tudo se faz mais claro






Nuit
rainette oblique
ô toute d’yeux à fleur de brume
le trille monte se perd reprend cligne comme la petite étoile
l’haleine de la lune
il me guide à travers une nébuleuse
de constellations tranquilles

Quel aérien et immobile silence
harmonie de paupières et de pupilles
la rondeur des étoiles a été faite pour mes mains navigatrices
la scintillante et fluide poussière
des cieux
court dans mes veines
vagues et barques contre-dansent
se substituent les unes aux autres.

Les grands animaux silencieux de la terre
rêvent un oiseau d’argile
La mémoire retrouve son palais d’homme
La tour monte de l’enfant

Oultre plus oultre ! cette paix des vaisseaux
dans un havre sans nom un quai quelconque
je transporte par contagion le rêve de la jeune fille
à la fenêtre du monde
l’adolescent que je fus rencontre sa fiancée
quel sortilège de mains quelle voix amie tranquille
aux rêves inexplorés
quelle confiance interplanétaire
m’emporte au-delà des contacts visibles
j’atteins les bords où l’aurore dort encore

Les fleuves ont vaincu toutes mes hésitations
les montagnes ont rallumé tout mon courage
sur les ventres de silencieuses femelles enceintes
j’ai retrouvé le goût de distribuer mes rêves
monnaie nouvelle d’êtres futurs
Les chevaux lisses de la brume
me lancent la rose de leur souffle sombre
c’est bien l’odeur de l’aube

Sur tous les morts dont je me nourris en secret
se dessine la jeune fille de la révolte du soleil
la tradition de ses bras
est une caresse d’avenir
présent qui saigne en chaque pore
17 millions de morts attestent la ligne ascensionnelles en gestation

Tous les jeunes morts
courent dans le feu qui tombe de tes veines constellées
ô éternelle jeune fille
le bruit que fait l’amitié
entre les bruits engloutis
le clair murmure germant d’une incessante découverte
voilà le rythme de ton cœur

Jour après jour ton ventre fécondé s’étend en plaines
jour après jour les hommes te façonnent dans leur conscience renouvelée
tu dors à présent
ta chevelure d’horizons
l’ondoiement fauve de ton corps d’oriflamme
nous indique d’un nouveau pas dans chaque attente forcée
les ombres du martyre les mille et une mouches du carnaval putride
tentent en vain d’absorber le cadavre qui résiste
ils ne parviennent pas à former l’ombre qui voilera la splendeur
illuminant chaque visage humble

L’arsenal du viol lent
les orchestres du chaos
les bienfaiteurs des monstres
tentent en vain d’étouffer l’essor du paysage
les délicates machines des touristes
indiquent en vain
la bonne direction

*

La rondeur des étoiles
est une invitation à mes mains
mes mains navigatrices parcourent en frisson ton corps en formation
Je m’allonge à l’horizon
tout devient plus clair


Traduction : Michel Chandeigne, 2021




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